Publicado no site Jornal de Negócios Online - Portugal
Mário Negreiros
Boas razões não faltaram, nos últimos dias, para pôr em dúvida a real compreensão, por parte da Polónia – ou de quem, legitimamente, foi eleito para a governar – sobre o que é, afinal, essa tal União Europeia que passou recentemente a integrar.
As evidentemente mal intencionadas provocações à Alemanha foram talvez o mais grave ou o mais feio ou o mais sério ou simplesmente o mais estúpido sinal disso, mas há outro, talvez (não sei) menos grave, mas ainda mais evidente sinal da distância entre o que é e pretende ser a Polónia e o que é e pretende ser a Europa comunitária.
Uma das conquistas negociais polacas na cimeira da semana passada foi a garantia de que a Carta europeia dos Direitos Fundamentais não será referência nem entrave, na Polónia, no que se refere à moralidade pública e às leis sobre a família.
O que há e continuará a haver é a legislação polaca, que, entre outras coisas, reprime agora abertamente o "top-less" depois de a administração dos gémeos Kaczynski ter decidido ressuscitar as multas – um resquício que vinha da era comunista – a quem mostre as próprias mamas: 100 zlotys, uns 25 euros, é o que arriscam pagar as mulheres que o façam fora das praias expressamente consignadas aos nudistas.
Pergunto se o "top-less" – ou, pelo menos, a imputabilidade de quem o faça – não será parte integrante daquilo a que se chama "herança cultural europeia", "valores comuns europeus", ou qualquer outro jargão que se queira usar para falar do respeito que fomos, ao longo do tempo, aprendendo a ter por uma série de liberdades e, especificamente, pela liberdade comportamental.
O único sentido que pode haver na proibição do que quer que seja é o de evitar que algo que se considere de alguma maneira ameaçador seja feito. E algo de muito grave se passará numa sociedade que, pretendendo ser contemporânea, democrática e europeia, se sinta ameaçada por maminhas ao léu. Ou não é contemporânea ou não é democrática ou não é europeia (ou não é a combinação de duas ou não é mesmo nenhuma dessas coisas).
E se a sociedade polaca não se sente ameaçada por maminhas ao léu, algo de muito grave se passará na relação entre ela e as instituições que formalmente a representam e que, elas sim, julgam ver alguma ameaça em cada par de maminhas que, em solo polaco, se ponha ao léu.
Para quem gosta do pitoresco, a Polónia tem-se revelado um prato cheio. A mim, pessoalmente, o cheiro a pitoresco basta para me deixar mal disposto. Fujo de museus do folclore precisamente para não me cruzar com o pitoresco, essa extravagância pretensamente popular que faz corar de vergonha qualquer povo que se preze. Aqui vai a minha (inútil, embora sentida) solidariedade a todos os polacos que, tendo escapado do vermelho-comunista, vêem-se agora tomados pelo vermelho-vergonha.
PS: O vermelho-raiva é meu, a cada vez que, a pé, me vejo empurrado para o meio da rua por um carro que faz do passeio (passeio!) público (público!) estacionamento (estacionamento!) privado (privado!). Os que pretensamente me representam não vêem neles uma ameaça, e não multam, não rebocam, não fazem nada (a não ser que os carros estejam numa das suas vagas pagas e não tenham deixado a moedinha – aí sim, multa, bloqueio e reboque neles!)
terça-feira, junho 26, 2007
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